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Estrada do Colono

Revista Science alerta sobre a abertura de estradas nos Parques Nacionais

Tentativa de abrir uma estrada dentro do mais importante refúgio de Mata Atlântica do país é destaque em uma das principais revistas científicas do mundo.

Publicado em 29/06/2022 às 16:31

(Foto: Marcos Labanca/Divulgação)

A Estrada do Colono e a tramitação do PL 61/2013 voltam a ter destaque internacional, desta vez na Science, uma das mais importantes revistas científicas do mundo. A publicação é assinada pelos pesquisadores brasileiros Lucas Rodriguez Forti, Rodrigo Lingnau e pela cientista australiana Judit K. Szabo.

Com o título “A wrong turn on roads in Brazil’s national parks” (Uma curva para o lado errado sobre as estradas nos Parques Nacionais do Brasil - em tradução livre), os pesquisadores-doutores detalham como o Senado brasileiro voltou a debater um projeto de lei com a proposta de abrir uma rodovia cortando ao meio o Parque Nacional do Iguaçu. Os autores lembram que o caminho foi fechado há mais de 20 anos e que a alegação injustificada é que a obra melhoraria a economia local e o turismo, mas, na avaliação dos cientistas, a estrada violaria o propósito original do parque que é de conservar os últimos remanescentes nativos de vegetação da Mata Atlântica de Interior.

Os pesquisadores alertam que mudar a lei nesses termos previstos no PL 61/2013 serviria como um precedente preocupante para outras reservas do país. A publicação relembra o histórico de ocupação da região e consequências da Estrada do Colono:

“O desmatamento para o desenvolvimento econômico resultou na quase extinção da Mata Atlântica na região durante o século XX . Uma estrada pavimentada vai ampliar a escala do efeito de borda com consequências negativas para o clima local, biodiversidade e serviços ecossistêmicos, além de aumentar a invasão de espécies exóticas e a escala de atividades ilegais, como caça furtiva. Espécies ameaçadas, como a onça-pintada, contam com o Parque Nacional como último refúgio na Mata Atlântica ocidental. Além disso, o tráfego causará liberação de produtos químicos e poluição acústica, bem como o atropelamento de animais. As estradas já afetam a biodiversidade, com aproximadamente 475 milhões de vertebrados selvagens perdendo suas vidas anualmente no Brasil, como resultado de colisões com veículos motorizados”. (Trecho da publicação).

De acordo com o texto publicado na revista Science, atividades econômicas devem ser restritas à zona já ativa da unidade de conservação, e a economia local pode ser estimulada apoiando o turismo de natureza, melhorando infraestrutura já existente, realizando atividades de educação ambiental, criando centros de visitantes, regulamentando atividades ao redor do parque e treinando mais pessoal para receber os turistas. “Essa estratégia minimizaria danos à zona intangível e tornaria desnecessária a legalização do ilegal”, concluem os pesquisadores.

Rodrigo Lingnau ainda comenta que os municípios do entorno do parque deveriam investir suas forças políticas para atividades realmente sustentáveis, em parceria com a unidade de conservação. “Já existem diversas trilhas pelo Parque Nacional do Iguaçu, inclusive próximo ao Porto Moises Lupion, em Capanema. Há empresas com autorização do ICMBio para navegar pela área do parque pelo Rio Iguaçu, para o turismo, e antes do período de isolamento da pandemia muitas atividades de turismo ecológico já eram feitas pelos municípios em parceria com o ICMBio. As pessoas deveriam parar de insistir nessa ideia de abrir uma estrada cortando o parque e investir nas inúmeras possibilidades de turismo na região, que é um grande espetáculo da natureza, só aguardando os investimentos adequados.”

Essa estratégia minimizaria os danos à zona central e tornaria desnecessária a legalização do ilegal, conclui a publicação.

Entenda o caso

A Estrada do Colono era uma antiga via ilegal dentro do Parque Nacional do Iguaçu (PR) que foi aberta em 1950 para ligar os municípios de Serranópolis do Iguaçu e Capanema por dentro do Parque Nacional do Iguaçu. “O governo da época não agiu sobre a ilegalidade e a estrada ficou aberta à revelia, contrariando os objetivos de proteção da biodiversidade de um Parque Nacional”, explica Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação.

Com o passar dos anos e o avanço da agropecuária e da urbanização, o Paraná perdeu praticamente toda a cobertura florestal e o Parque Nacional do Iguaçu se tornou o último remanescente significativo de Mata Atlântica de Interior do Brasil. As cidades do entorno também foram conectadas por estradas, como a BR 163 e a BR 277. Já a Estrada do Colono, no meio da mata, virou uma rota para contrabandistas, traficantes de drogas, caçadores e interessados em extrair ilegalmente recursos naturais como madeira e palmito.

Justamente para evitar os crimes e salvar esse último remanescente de floresta, a Justiça decidiu fechar o caminho, após inúmeros estudos de impacto ambiental e perícias de órgãos como o IBAMA, ICMBio, Polícia Federal e Ministério Público Federal que recomendaram o fechamento.

Houve uma longa batalha judicial e, em 2001, a Justiça Federal decidiu fechar definitivamente a Estrada do Colono dando reintegração de posse da área para a União. Atualmente o caso está transitado em julgado, ou seja, não há mais possibilidade de novas ações ou recursos.

“A manobra legislativa do PL 61/2013 de alterar a Lei do SNUC para cortar novamente o Parque Nacional do Iguaçu ao meio é ilegal e inconstitucional, reabrindo um desgastante e longo processo que já havia sido encerrado”, acrescenta Kuczach.

A dimensão da boiada

O PL 61/2013, de autoria do agricultor e deputado federal Assis do Couto (PDT-PR), altera a Lei no 9.985/ 2000 (Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC), para criar a categoria de Unidade de Conservação denominada Estrada-Parque e instituir a Estrada-Parque Caminho do Colono no Parque Nacional do Iguaçu.

A proposta, na prática, permite a abertura de rodovias em unidades de conservação de todo o país. O projeto de lei tramita no Senado, após ser desengavetado pelo senador Álvaro Dias (Podemos-PR), e pode entrar em votação a qualquer momento.

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