Em um espaço denominado “cela de aula”, rodas de leitura contribuíram para um momento de diálogo e de liberdade de expressão dentro de duas instituições prisionais de Foz do Iguaçu. No Centro de Reintegração Social Feminino (Cresf) e na Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu II (PEF II), foi desenvolvido o projeto de extensão “Direito à poesia: círculos de leitura em situação de privação de liberdade em Foz do Iguaçu”.
“Neste projeto, pensamos a literatura no sentido de liberdade, de ressignificação do sujeito diante de uma experiência nova com a linguagem, e uma maneira de fugir dos padrões do que se entende por estar nesses locais. Nas atividades, existe um espaço livre para refletir, estar em contato com outros mundos, paisagens, pensar a memória, o autorretrato e a língua como experimentação”, explica a docente Cristiane Checchia, do curso de Letras - Artes e Mediação Cultural, uma das coordenadoras do projeto.
Nos círculos de leitura e na oficina escrita entram poesias, contos trazidos pela equipe do projeto ou materiais sugeridos pelos presidiários – a exemplo de músicas e até publicidades. “Levamos alguns textos buscando que os detentos reflitam sobre a vida deles, mas não de forma direta. Alguns dos textos foram os de autorretrato, que os levaram a repensar e escrever sobre a própria vida. O trabalho com a literatura tem a vantagem de falar de forma indireta e de diversas maneiras, não precisa ser no formato de depoimentos judiciais. Isso dá a possibilidade de falar preservando a intimidade – um espaço que é negado no presídio”, descreve Mario Torres, também coordenador do projeto e docente de língua espanhola na UNILA.
O projeto de extensão só pode ser realizado devido al envolvimento da direção do presídio, pedagogos, psicólogos e agentes penitenciários. Também estiveram presentes estudantes da UNILA, como bolsistas de iniciação científica e de extensão, além de voluntários. Um dos elos que facilitaram o processo foi o agente penitenciário da PEF II Valdir Sessi, também pesquisador na área dos direitos humanos e das relações de poder institucionais. Ele conta que, no início, os internos ficaram receosos de participar do projeto, uma vez que não havia a contrapartida de remissão da pena. Sentimento que foi mudando ao longo do desenvolvimento das atividades, com o interesse dos internos e aumento da participação deles nos debates.
“Essa atividade pode contribuir de diversas maneiras para a humanização do sistema prisional. Primeiramente, é certo que o Brasil está longe de ser um exemplo de país que cumpre as metas para a humanização do sistema prisional como um todo; não é à toa que hoje somos o país com a terceira maior população carcerária do mundo. Então, toda atividade que tenta ressocializar é bem-vinda. Em segundo lugar, a contribuição está inserida nas discussões de bastidores, ou seja, o que o preso leva de volta para as suas celas e problematiza com os colegas acerca do que foi debatido”, opina o agente penitenciário Valdir Sessi.
Ela acredita que, embora a passos lentos de realizar transformações no cenário carcerário desde a universidade, há uma perspectiva de mudanças. “Emergir esse assunto já representa uma forma de tensionar determinadas estruturas. E só o fato de trazer tal assunto ao cotidiano já é um sinal e uma mudança dessas vozes por vezes esquecidas”, opina a estudante.