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UNILA leva rodas de literatura para unidades prisionais de Foz

Nos círculos de leitura e na oficina escrita entram poesias, contos trazidos pela equipe do projeto e sugestões dos presidiários.

Publicado em 24/12/2017 às 23:00

Em um espaço denominado “cela de aula”, rodas de leitura contribuíram para um momento de diálogo e de liberdade de expressão dentro de duas instituições prisionais de Foz do Iguaçu. No Centro de Reintegração Social Feminino (Cresf) e na Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu II (PEF II), foi desenvolvido o projeto de extensão “Direito à poesia: círculos de leitura em situação de privação de liberdade em Foz do Iguaçu”. 

“Neste projeto, pensamos a literatura no sentido de liberdade, de ressignificação do sujeito diante de uma experiência nova com a linguagem, e uma maneira de fugir dos padrões do que se entende por estar nesses locais. Nas atividades, existe um espaço livre para refletir, estar em contato com outros mundos, paisagens, pensar a memória, o autorretrato e a língua como experimentação”, explica a docente Cristiane Checchia, do curso de Letras - Artes e Mediação Cultural, uma das coordenadoras do projeto.

Nos círculos de leitura e na oficina escrita entram poesias, contos trazidos pela equipe do projeto ou materiais sugeridos pelos presidiários – a exemplo de músicas e até publicidades. “Levamos alguns textos buscando que os detentos reflitam sobre a vida deles, mas não de forma direta. Alguns dos textos foram os de autorretrato, que os levaram a repensar e escrever sobre a própria vida. O trabalho com a literatura tem a vantagem de falar de forma indireta e de diversas maneiras, não precisa ser no formato de depoimentos judiciais. Isso dá a possibilidade de falar preservando a intimidade – um espaço que é negado no presídio”, descreve Mario Torres, também coordenador do projeto e docente de língua espanhola na UNILA.

O exercício de reflexão e expressão, ao longo do projeto, também está materializado em cartas que os detentos escreveram que resultou no livro “Antologia – Direito à Poesia II”, produzido este ano. “São textos muito variados, com relatos que se aproximam de lembranças, outros com cunho religioso. Há ainda os que trabalham com metáforas, com criação de personagens, montando histórias totalmente fictícias, e com presença de sagacidade e humor também”, relata a estudante Carolina Guerra, bolsista do projeto, acadêmica do curso de Letras - Artes e Mediação Cultural, e responsável pela montagem do livro.
 
Participação coletiva

O projeto de extensão só pode ser realizado devido al envolvimento da direção do presídio, pedagogos, psicólogos e agentes penitenciários. Também estiveram presentes estudantes da UNILA, como bolsistas de iniciação científica e de extensão, além de voluntários. Um dos elos que facilitaram o processo foi o agente penitenciário da PEF II Valdir Sessi, também pesquisador na área dos direitos humanos e das relações de poder institucionais. Ele conta que, no início, os internos ficaram receosos de participar do projeto, uma vez que não havia a contrapartida de remissão da pena. Sentimento que foi mudando ao longo do desenvolvimento das atividades, com o interesse dos internos e aumento da participação deles nos debates.

“Essa atividade pode contribuir de diversas maneiras para a humanização do sistema prisional. Primeiramente, é certo que o Brasil está longe de ser um exemplo de país que cumpre as metas para a humanização do sistema prisional como um todo; não é à toa que hoje somos o país com a terceira maior população carcerária do mundo. Então, toda atividade que tenta ressocializar é bem-vinda. Em segundo lugar, a contribuição está inserida nas discussões de bastidores, ou seja, o que o preso leva de volta para as suas celas e problematiza com os colegas acerca do que foi debatido”, opina o agente penitenciário Valdir Sessi.
 
A observação participativa e investigativa sobre o ambiente carcerário também resultou em pesquisa da egressa do curso de Antropologia da UNILA Isadora de Assis Bandeira, hoje mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFSC. Ao longo de sua participação no projeto, a estudante realizou pesquisas de campo dentro do Cresf, o que resultou no trabalho de conclusão de curso sobre o tema e, ainda, no seguimento desse estudo no mestrado.

Ela acredita que, embora a passos lentos de realizar transformações no cenário carcerário desde a universidade, há uma perspectiva de mudanças. “Emergir esse assunto já representa uma forma de tensionar determinadas estruturas. E só o fato de trazer tal assunto ao cotidiano já é um sinal e uma mudança dessas vozes por vezes esquecidas”, opina a estudante.

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